Thursday, June 28, 2012

it was the best of times, it was the worst of times...


...dizia Charles Dickens, num livro (mais um) na minha lista de não-lidos.

como tudo, todos os sonhos têm dois lados da moeda. começam invariavelmente com a perseguição, a frustração no tropeçar em falso das pedras da calçada. muitos ficam por aí, outros seguem o seu caminho até ao rasgar da invariável fita no atingir do horizonte durante tanto tempo distante.

a chegada é sempre um misto de realização, tristeza, felicidade e medo. um conjunto de pessoas, de coisas, que correspondem à imagem durante tanto tempo difusa, de tão clara. pessoas que marcam momentos fúteis, abraçam tristezas e elogiam sorrisos. [pessoas que ficam - na partida.]

aí reside, contudo, a dualidade do sonho. é sempre tarde, e falta sempre o novo caminho que possa popular um horizonte mais longínquo, que nos faça seguir caminho, continuar a lutar contra os estigmas que refrearam a passagem por estradas mais ou menos enlameadas, muitas vezes percorridas no silêncio ensurdecedor que só a solidão sabe proporcionar.
talvez por isso saiba sempre tão bem voltar a casa, rever o conforto de abraçar a guitarra no escuro
[onde ninguém ouve]. 

Thursday, June 14, 2012

Sunday, June 10, 2012

Friday, June 8, 2012

hunting

Ando à caça de palavras resplandecentes, tropeço nelas
dentro e fora
da vida,
interpreto, magoo-me, interpreto outra vez, sujo-me, borro a minha pintura da cara que não tenho, das caras que fui desenhando sobre a cara que me faltou.
(Inês Pedrosa in "Fazes-me Falta")

correcção

Não tenho sequer tempo para levantar os olhos da estrada de papel. Os corpos das letras espalham-se em sangue negro alinhado nas veias vulgares do asfalto. No meio olhar de luz intensa, o choque brutal conta a minha testa imensa de ideias. O vidro frontal estilhaça-se nos cortes do ferro que entra sem resistência da água mole da minha carne.
Sonho o impacto e levanto-me nos gestos do sono. Estou imóvel no chão que sinto a rir por baixo de mim. A rua de gritos das velhas lamenta-se infinita pronta a engolir-me. Era tão jovem. Que desgraça, nosso senhor. Ninguém merece acabar assim. Adivinho o cerco que se abate sobre mim. Adivinho o impacto quando abro o frigorífico em cima, retiro a manteiga e a esfrego morta num pedaço duro de pão
Em baixo, metros à frente uma pena de pombo erecta e heróica no meio exacto da morte sem identidade. À distância da garra um gatinho aos pulos de sangue final. E eu igual a todos. Sepultada fora da terra, no olhar disco cheio de prata dos gritos das velhas.
Em cima, hoje olho duas vezes pela janela. Desço os três andares em nódoa de café com leite e pão duro atravessado na garganta. Os miúdos novos colados na esquina gulosos da idade. Olho para eles sem sorrir de volta.
Na rua corrijo o meu primeiro passo na onda suja da calçada. O destino passa em rente de pássaro ladrão pela minha cabeça. Adio o adeus para te encontrar na volta da casa à minha espera sem saberes porquê ou até quando.

(by Fernando Ribeiro)

inspiration