"Um dia destes encontro-te e estás mais velha. Um dia destes cruzo-me contigo na rua, numa esquina, no café, e estás feliz, mais feliz, insuportavelmente feliz, e não consigo evitar desviar o meu olhar do teu. Um dia destes vejo alguém que me pareces tu e afinal és mesmo tu e faço de conta que não te vi e me pareceste outra pessoa. Um dia destes dou de caras contigo e a tua cara é a mesma de há anos, só que sem ter havido eu e sem ter havido anos. Um dia destes esbarro connosco no passeio e mal nos reconheço à primeira, de tão apressados que vamos de encontro aos nossos encontros. Um dia destes dou-te um encontrão sem querer e descubro que um encontrão é apenas um encontro vítima do sufixo aumentativo. Um dia destes distingo um vulto cheio de brancas no cabelo e rugas por trás dos óculos, apesar de conservar o teu anel preto de cabelo e o preto das íris sem aros dos teus olhos. Um dia destes arrependo-me de não ter dito nada nas alturas em que não havia nada a dizer. Um dia destes não dizemos nada um ao outro, uma vez que nada temos em comum [...]"
(Miguel Marques in 365)
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