«Evebody lies», garantia
o doutor House. Durante anos, não dei conta disso. Em miúdo, tive um contacto
muito esporádico com a mentira, descobri
aqui e ali alguns segredos, mas muito poucas mentiras, quase nenhuma. Passada a
adolescência, lembro-me de uma tarde em que tive uma discussão com um amigo, eu
contra a mentira, ele a favor, e quase sem dar por isso passámos de clube de
debate a clube de combate, apercebi-me nesse dia da enorme importância que o
tema tinha para mim, da importância desmesurada, perigosa.
Mais tarde, como é
normal, fui conhecendo mentirosos, ocasionais ou profissionais, mas as questões
eram pequeninas ou nem me diziam respeito, e nunca fui de me meter na vida dos
outros. Porém, espaçados no tempo, não escapei a dois momentos House, mentiras
importantes, incapacitantes, com prova documental e tudo. Eu não sei o que é «a
verdade», e nunca apregoei verdade nenhuma, mas sei o que é a mentira, a
mentira vinda de quem não podia ter vindo, a mentira como abominação. Pensava
nestas coisas esta noite quando encontrei uns papéis antigos, vestígios amenos,
outros hostis, não me lembrava de quase nada, e à medida que lia notei que não
havia naqueles papéis nenhuma mentira, nem uma, algumas frases eram sem dúvida
epocais ou fugazes, mas todas me pareceram fidedignas, verdadeiras. E até as
hostis se fizeram agora quase ternas. Toda a gente mente, dizia o doutor House,
é possível, sei de quem me mentisse, sei de quem nunca me mentiu, e não há mais
nada a que chame biografia.
(in A Lei Seca)
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