Saturday, April 14, 2012

mentiras (2)

«Evebody lies», garantia o doutor House. Durante anos, não dei conta disso. Em miúdo, tive um contacto muito esporádico  com a mentira, descobri aqui e ali alguns segredos, mas muito poucas mentiras, quase nenhuma. Passada a adolescência, lembro-me de uma tarde em que tive uma discussão com um amigo, eu contra a mentira, ele a favor, e quase sem dar por isso passámos de clube de debate a clube de combate, apercebi-me nesse dia da enorme importância que o tema tinha para mim, da importância desmesurada, perigosa.
Mais tarde, como é normal, fui conhecendo mentirosos, ocasionais ou profissionais, mas as questões eram pequeninas ou nem me diziam respeito, e nunca fui de me meter na vida dos outros. Porém, espaçados no tempo, não escapei a dois momentos House, mentiras importantes, incapacitantes, com prova documental e tudo. Eu não sei o que é «a verdade», e nunca apregoei verdade nenhuma, mas sei o que é a mentira, a mentira vinda de quem não podia ter vindo, a mentira como abominação. Pensava nestas coisas esta noite quando encontrei uns papéis antigos, vestígios amenos, outros hostis, não me lembrava de quase nada, e à medida que lia notei que não havia naqueles papéis nenhuma mentira, nem uma, algumas frases eram sem dúvida epocais ou fugazes, mas todas me pareceram fidedignas, verdadeiras. E até as hostis se fizeram agora quase ternas. Toda a gente mente, dizia o doutor House, é possível, sei de quem me mentisse, sei de quem nunca me mentiu, e não há mais nada a que chame biografia.

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