lembro-me exactamente do dia em que descobri que o pai natal não existia.
estávamos todos. em torno de nove pratos de bacalhau, como nos livros. alguém reclamou pelo bife, como de costume. todos sorriam, todos tristes - era assim todos os anos.
naquela semana, nada diria que seria diferente. consigo ainda ouvir o som asfixiante, a tentativa do respirar cada vez mais difícil que me deixava sem dormir, de tanto medo - tinha mesmo medo.
naquele dia, o almoço de sábado custou a passar - do prato para o garfo, do prato para a boca, da boca para o garfo. sabia, acho que sabia - sabemos sempre. disse-te que terminasses o almoço, que fizesses um esforço.
em vão. passaram a correr os minutos até eles virem e te levarem.
e eu não consegui. passei horas a contar os passos entre a cozinha e a sala, a evitar a casa - como se isso mudasse alguma coisa.
pareceram dias, o coração na mão. ela a fumar na sala - ela, que nunca tinha sequer acendido um cigarro à minha frente.
no final do dia, obrigaram-me - juro que me obrigaram e que tive que voltar àquele quarto. mas não dormi - o teu espaço vazio no canto do quarto enclausurava-me numa claustrofobia asfixiante.
no dia seguinte, quando o telefone tocou, não perguntei quem era - tinha a certeza que as notícias eram as mesmas da última vez.
desde então, nunca conto a ninguém (por)que não gosto do natal.